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No universo do funk, ser compositor é coisa séria

30.11.2017 | Por: Guilherme Lucio da Rocha

A arte da composição existe em todas as vertentes da música, inclusive no funk. Porém, os compositores ainda são pouco valorizados, tornando a carreira pouco conhecida e desvalorizada pelo público. Hoje, o Portal KondZilla vai contar um pouco como funciona essa parada de escrever música, do ponto de vista de três compositores: o carioca Thiago Jorge Rosa dos Santos, o Praga, e os paulistanos Anderson Lourenço, o 2N e MC Davi.

“Existe compositor pra tudo quanto é jeito, isso é legal. Tem espaço pra todo mundo, não podemos fechar os olhos pro que acontece do nosso lado”, conta o carioca Praga, em entrevista anterior. “Eu, particularmente, tenho meu trampo voltado para o consciente, essa é a minha linha de trabalho. Mas conheço bons compositores de outras vertentes dentro do próprio funk, de outros ritmos também”, conclui.


MC Smith fez fama com composições de Praga – Foto: Matias Maxx // Portal KondZilla

No mundo da música, a figura do compositor tem um certo conceito. A arte de transformar pensamentos em palavras e levar uma mensagem para outra pessoa cantar é algo quase divino, um dom para poucos. Nomes como Leandro Lehart, no pagode, Bruno Caliman, no sertanejo, Edi Rock, no rap e Chico Buarque, na MPB, são exemplos que servem de referência para se ter uma dimensão da importância de um compositor.

Só pela quantidade e variedade dos citados, deu pra perceber que existe um leque enorme de possibilidades profissionais quando o assunto é composição. Existem os compositores que também são intérpretes (o cara que canta), tem o cantor que também é produtor e têm os compositores que trabalham nos bastidores, apenas compondo para outros cantores.

MC Davi – Foto: Guilherme Lucio da Rocha // Portal KondZilla

Como em qualquer outra profissão, o compositor só existe porque há uma demanda. Há pessoas que são melhores cantando do que escrevendo, e vice-e-versa. Falando no universo funk, se engana quem pensa que isso não acontece. Hoje, existem profissionais compondo todo e qualquer tipo de letra, sendo que o bom compositor vai estar sempre ligado às tendências do mercado.

Um desses profissionais, muito citado pelos artistas do funk, é o MC Felipe Boladão, autor dos sucessos “A Viagem“, “Voracidade” e “Residência dos Loucos“. Boladão é sempre lembrado como um exemplo de versatilidade na hora de compor. Com muita influência do rap nas composições, Boladão também falava de amor e outras situações do cotidiano que vão além do sofrimento. Isto é um ponto que merece destaque: existe espaço para dor e para o amor, é importante saber trabalhar com os dois sentimentos.

Assim como os artistas, cada profissional tem seu método único de escrever: tem gente que gosta de criar com muito barulho, outros preferem o silêncio total, alguns curtem tomar um goró pra clarear as ideias, outros preferem ficar de boa.

Conversando com o MC Davi, ele revelou que muitas das suas composições saem quando ele está numa boa, num lugar bem calmo. “Acho que um diferencial é eu conseguir pensar na melodia enquanto já estou pensando na letra. Até por escutar muita música, de vários estilos diferentes, isso me ajuda bastante também”.

“Quando o MC me passa a ideia que ele tem, eu já consigo pensar em algo quase instantâneo, é muito rápido. E, junto com isso, tem a questão de pensar no jeito de cada artista, o timbre de voz, etc. Quando vou compor, levo tudo isso em consideração”, diz 2N.

Anderson Lourenço, o 2N – Foto: Vinicius Kepe // Portal KondZilla

Mas se compor é uma arte nobre, o reconhecimento nem tanto. Outro fator que essa turma corre atrás é por uma fatia do bolo no mercado. Há duas formas de receber quando você trabalhar compondo: na hora de vender na música e toda vez que ela for executada de forma pública. Porém, para receber pela execução da música precisa da fiscalização.

“Falta respeito ao pessoal do funk. Pra você ter uma noção: quando registro uma letra, preciso fiscalizar onde minha música tá tocando, pra repassar a informação pros órgãos responsáveis e receber o dinheiro que me é devido. Agora, você imagina eu indo por aí, de baile em baile, vendo quando minha música vai tocar? Sem dúvidas, ganho mais dinheiro com minhas parcerias com MCs”, desabafa Praga, que costuma fechar contratos de “exclusividade”, como por exemplo nos trabalhos com o MC Menor do Chapa.

Thiago Jorge, o Praga – Foto: Vincent Rosenblatt // Agência Olhares

Essa falta de reconhecimento vem tanto dos envolvidos no funk, que muitas vezes classificam o trabalho do compositor como “secundário”, pagando pouco por um trabalho digno. Enquanto as autoridades responsáveis pelas questões legais não colaboram na fiscalização justa e pagam o que é devido aos compositores, a economia da música fica desfalcada.

“Por exemplo, você vê que no sertanejo, que tem um faturamento muito maior que o funk, os compositores são exaltados e têm o trabalho reconhecido, até na questão financeira”, compara 2N, ao falar sobre os retornos financeiros de vender uma composição.

Já Davi, explica que tem o retorno financeiro por outros lados. “A composição não me deu dinheiro nenhum. Quando eu era menino novo, já troquei umas músicas por iPhone. Tem músicas que eu escrevi que estourou e ganhei dinheiro com direito autoral. Mas eu ganho mais dinheiro com os shows”.


Intérprete costuma levar fama das composições – Foto: Matias Maxx // Portal KondZilla

Nem tudo são flores no caminho de um compositor, mas, como em tudo na nossa vida, existe também um lado bom nessa história. O MC Davi resume bem uma das melhores sensações do compositor. “Você vê várias casas de show tocando sua música é algo muito foda. É algo que você criou, mano!”.

Como falamos há poucos, o funk está cada vez mais profissional, com pessoas gabaritadas fazendo parte da cultura e agregando cada vez mais ao movimento. Aos poucos, todos os envolvidos vão ganhando o devido conhecimento, e os compositores, sem dúvidas, estão no topo dessa lista.

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